sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Feira a gosto

 
Diz-se que a vida são dois dias. Nós sabemos que a Festa do Avante são três, e este ano a "feira" são cinco. A "feira", assim mesmo entre aspas porque para as gentes da terra  feira só há uma e é esta. 
No momento em que escrevo esta crónica faltam menos de quinze dias para a abertura das hostilidades. Uma vila inteira está em contagem decrescente para o grande evento e as despedidas na rua, em vez do tradicional "dá cumprimentos à mãezinha" terminam agora com um efusivo: 
"E então este ano vais à feira?" 
A feira de Agosto é uma espécie de Expo 98 dos últimos dias. Como não se paga entrada, no primeiro dia vai toda a gente porque é a inauguração. No segundo dia, a malta vai toda junta porque combinou, no terceiro dia vai-se para correr as tasquinhas que ficaram esquecidas. No penúltimo dia é porque está quase a acabar. E no último dia é obrigatório ir porque  é o último dia  e agora só para o ano. 
A feira de Agosto anuncia o princípio do fim do Verão e é o ponto alto do ano por estas bandas. Senhoras da vila inteira rumam em direcção aos cabeleireiros para estarem no seu melhor para as festividades, que este ano metem tourada outra vez. 
Há quem vá pela cerveja ou pelo moscatel, ou a bem da verdade, pela pinga assim em geral. Fazem-se apostas a ver quem aguenta os dias todos em modo de beber até cair para o lado. Há quem vá pelo choco frito, pelas farturas e pelo algodão doce. As moças casadoiras vão em busca do amor, e se eu tivesse que adivinhar diria que muitas relações começaram e acabaram na feira. Assim como muitas paixões duraram apenas o tempo de uma "feira".  
Eu vou pelo artesanato. Cumpro uma tradição familiar que é a de ir em busca do cesto perfeito a um preço justo. O cesto perfeito para arrumar a lenha na sala ao lado da salamandra, o cesto perfeito para servir de fruteira, o cesto perfeito para guardar uma mantinha ao lado do sofá, que vai dar imenso jeito nas noite de  Inverno. À demanda pelo cesto perfeito, este ano junta-se  o desafio de encontrar chocalhos pequeninos, mantas alentejanas e botas, porque o tempo de usar sabrinas no Inverno já passou e eu sou cada vez mais uma rapariga do campo. Por incrível que pareça, e ao contrário do que seria de esperar, este tipo de coisas não se encontra em cada esquina e mesmo estando no Alentejo profundo não é nada fácil depararmo-nos com este ou com qualquer tipo de artesanato. Infelizmente, e para mal dos meus pecados ou a bem da minha carteira, é muito mais fácil aparecer-nos pela frente uma loja dos chineses do que uma loja que venda, por exemplo, cestaria. A feira de Agosto é a oportunidade única de encontrar todas estas coisinhas reunidas num só espaço. A pior parte é mesmo regatear os preços. A grande maioria dos feirantes portugueses fica extremamente ofendido com qualquer tentativa de discutir preços, o que é uma pena, já que parte da piada de ir a feiras e mercados está na possibilidade de chegarmos a casa com uma peça quase única por uma pechincha. Felizmente, entre os artesãos tradicionais e os feirantes habituais há sempre uma ou duas barraquinhas marroquinas onde este ano vou poder pôr em prática a arte de regatear. 
A verdade é que é quase tão difícil não ir à feira de Agosto como seria difícil passar em frente à H&M Home, quando esta abrir no Chiado, e não entrar. 

Na edição de 22/8/2014 do jornal "Sol"

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